Quem nunca ouviu que o ano só começa depois do Carnaval? E não é para menos, já que estamos falando da maior festa de rua do mundo! Mas 2024 se inicia – oficialmente em solo brasileiro – com uma grande vitória: a representatividade forte trazida para a avenida.
A história do carnaval moderno sempre esteve conectada aos povos negros e às tradições afrobrasileiras, como o cinquentenário Bloco Ilê Aiyê, em Salvador, ou a lavagem da Sapucaí, no RJ, que traz toda a simbologia de religiões de matriz africana e seus orixás ao limpar e abrir os caminhos para garantir a harmonia dos desfiles. Ou a ala das baianas, homenagem às matriarcas do samba, mulheres negras do início do século XX que muitas vezes escondiam sambistas das perseguições do Estado que proibia o ritmo no país.
Mas a representatividade e o respeito à ancestralidade ganharam um importante avanço nesse ano com um lindo espetáculo de valorização da cultura africana e sua influência na criação da cultura brasileira, ecoando trajetórias e vidas muitas vezes marginalizadas pela sociedade e pela história.
A campeã do Rio de Janeiro, a Unidos da Viradouro, fez história com uma das comissões de frente mais marcantes das últimas décadas ao som do enredo “Arroboboi, Dangbé”, sobre o culto ao vodun serpente que surgiu no atual Benin, na África Ocidental, e está ligado a força das mulheres guerreiras.
Na mesma tendência, a Portela apresentou o enredo “Um Defeito de Cor”, inspirado na obra da escritora Ana Maria Gonçalves, que já se inicia afirmando “o samba genuinamente preto”. Na avenida, a Portela conta a história de Kehinde, chamada de Luísa Mahin no Brasil, mãe do escritor, jornalista e advogado abolicionista, Luís Gama. Luisa é uma importante figura histórica: comprou sua alforria e se destacou como revolucionária na Bahia, transmitindo mensagens e até sediando o centro de operações durante revoltas na região. O show na avenida foi considerado uma grande homenagem a todas as mães negras do Brasil e suas lutas.
E não para por aí! A Estação Primeira de Mangueira exaltou a carreira e a vida de Alcione, a Marrom, e a Vai-Vai enalteceu a história do hip hop nacional com um samba-enredo com referências ao grupo de rap paulistano Racionais MC’s e em tom de crítica à marginalização do ritmo e de seus artistas pelas ruas de São Paulo.
Mas o que falta para essa diversidade ultrapassar as efemérides?
E lá vamos nós com mais uma pergunta de milhões! De fato, a resposta é complexa e passa por vários caminhos: falta de investimento em letramento e treinamentos eficientes e constantes, maior luta contra os vieses inconscientes, contratação de times verdadeiramente diversos e a baixa representatividade e engajamento das lideranças políticas e empresariais que são, majoritariamente, compostas por homens brancos. Não há como construir equipes de comunicação sem pessoas de diferentes gêneros, etnias, classes sociais e vivências.
Uma iniciativa que temos acompanhado e que ajuda a resolver essa equação é o levantamento Creators de Favela, criado pela YouPix, programa de aceleração de influenciadores, e o Digital Favela. O material traça investimentos em influenciadores periféricos e apresenta quem é esse grupo de criadores, que conta com cerca de 1,5 milhão de pessoas e dita tendências e novas histórias que inspiram. Ao todo, foram 167 entrevistas com homens e mulheres moradores de favelas.
Para essas pessoas criadoras de conteúdo, ser influenciador é algo que surge para inspirar. É um espaço para se posicionar e dar sua opinião após uma história de silenciamento. Essas questões vêm antes de vender um produto ou colocar uma marca como aliada da diversidade e da periferia. É um propósito. Ainda assim, 63% dos indivíduos entrevistados afirmaram ter sofrido racismo em suas redes sociais e 43% receberam discursos de ódio com cunho político.
Alô marcas!
A inclusão de pessoas diversas tanto em campanhas quanto nos times internos das organizações não é uma questão de caridade ou benfeitoria. Se ativarmos nosso olhar estratégico, um time múltiplo gera também uma variedade de olhares sobre um mesmo projeto, criando assim mais possibilidades de sucesso e menos riscos de desenvolver conteúdos e ativações estereotipadas e, por vezes, ofensivas.
Além disso, uma comunicação diversa gera identificação e engajamento. Se eu me vejo, acredito que é possível, me sinto pertencente e assim, me identifico, me conecto e me envolvo. A palavra de ordem é empoderar.
Um bom exemplo de representatividade para além desse debate pode ser visto na campanha da Kraft Heinz, que estabeleceu KPIs objetivos para a inclusão de pessoas reais em seus conteúdos. Com isso, a campanha “Outros MC’s”, que recebeu um Leão de Bronze em Cannes, teve um casting em que a maior parte estava dentro da comunidade LGBTI+ e 70% se autodeclarou como negra, mas não era uma campanha de diversidade.
Sabemos que o cenário ainda não é o ideal, mas algumas ações mostram que existe um futuro possível. Podemos notar uma movimentação no mercado com empresas que apostam de fato em uma comunicação mais real, com com corpos diversos. O jornal Meio&Mensagem, por exemplo, divulgou um estudo sobre a diversidade vista nas campanhas finalistas do Effie Awards 2023. Cerca de 87% dos cases premiados tinham representatividade em seus materiais.
Longe dos milhões de seguidores vistos em perfis como Anitta e Paolla Oliveira, os micro e nanos influenciadores vêm ganhando espaço nas estratégias digitais de marcas nacionais e internacionais. E não é para menos! No relatório da YouPix, 72% dos consumidores não se importam com a quantidade de followers de um influenciador.
E de fato, essa estratégia pode agregar originalidade e, em diversos casos, tecnicidade sobre um tema ou produto. Incluir essa diversidade às campanhas é uma forma de ampliar o custo-benefício de uma ação, além de permitir acessar diretamente um nicho do seu público, impulsionando a sua taxa de conversão. E essa estratégia pode ser implementada para qualquer produto ou serviço já que, ainda segundo o estudo, 99% dos influenciadores utilizam o Instagram como plataforma principal e falam sobre consumo e investimentos em setores como Moda e Beleza (44%), Cultura e Música (39%) e Lifestyle (37%).
Com tom inspirador, esses jovens estão preocupados em criar novas histórias não só para eles, mas para toda a comunidade em que estão inseridos. Com isso, outros temas muito citados são Comunicação, Mercado de Trabalho, Tecnologia e Ciências e Educação. Assim surgiram nomes importantes da internet brasileira, como Nath Finanças, uma das principais influenciadoras sobre finanças para pessoas de baixa renda, e o Voz das Comunidades, que viralizou ao narrar a ocupação do Complexo do Alemão e hoje é um importante hub de informação e desenvolvimento das favelas.
Diversidade pra quem?
Temos que lembrar que se a diversidade comunicada não condiz com a realidade de cada organização, ela pode se tornar o que chamamos de diversity washing. Um exemplo é o uso da imagem de pessoas de grupos minorizados em momentos específicos do ano para promover uma marca ou produto, sem gerar qualquer impacto positivo nas comunidades em questão.
Você conhece o termo Diversity washing?
Criado por Liliane Rocha, CEO da consultoria Kairós, expressa a falsa diversidade e inclusão que empresas mostram em suas campanhas mas não implementam em seus times internos e stakeholders. Isso significa que toda essa representatividade mostrada é, na verdade, uma autopromoção de sua imagem e não uma preocupação real.
Um clássico é, em novembro (e apenas em novembro), enaltecer figuras negras e falar sobre a necessidade de ações antirracistas e de redução da desigualdade racial, enquanto em junho, focamos na importância do respeito à comunidade LGBTI+. Para as mulheres, março é a época do ano em que se pode destacar sua importância na sociedade, e setembro, ainda com menos força, é quando falamos sobre as lutas das pessoas com deficiência. E no resto do ano essas pessoas existem?
Apesar de ganhar força nesse Carnaval, o debate sobre o diversity washing vem ganhando espaço nos últimos anos com inúmeras críticas ao chamado calendário da diversidade, que nasceu para garantir o espaço e o debate sobre esses grupos minorizados e não para limitar a sua participação no mundo corporativo.
A pesquisa Representa, liderada pela ONU Mulheres, tem dados alarmantes sobre a representatividade na publicidade e comunicação. Ao analisar mais de 7.400 peças no fim de 2022, foi constatado que 72% dos protagonistas homens e 78% das protagonistas mulheres dessas campanhas são pessoas brancas, enquanto o Brasil é um país de 55% de pessoas autodeclaradas pretas ou pardas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2023.
Então, que tal ampliar o seu casting em todas as campanhas e datas comemorativas e ser um agente ativo nessa transformação? Com o Dia das Mulheres batendo à porta, nós estamos de olho.