Ainda que, por ora, não haja ruas e bares decorados de verde-amarelo, algo mudou, desde 2019, ano do último mundial feminino de futebol. A dez dias do início da Copa do Mundo Feminina 2023, disputada a partir de 20 de julho, na Austrália e na Nova Zelândia, estamos vendo o torneio ganhar mais popularidade e patrocínio – felizmente! Porém, é preciso que se diga: as reais transformações rumo à equidade de gênero dentro e fora do esporte vêm ocorrendo a passos de tartaruga – e, no caso do mundial feminino, as marcas podem ter uma certa responsabilidade nesse lento caminhar. Afinal, não é o marketing o responsável por nos provocar desejos, por meio de experiências, produtos, serviços e ideias?
Pode perceber: em época de Copa do Mundo de futebol, mesmo quem não é fã do esporte acaba se envolvendo pelo clima de festa que se instala por aqui, corroborado pela presença massiva do tema na TV, no rádio, nas redes, nos noticiários, nas mesas de bar e conversas de elevador. Por onde andam toda essa cobertura da mídia e o interesse das marcas que surfam na onda da Seleção Canarinho?
Basta notar que a última edição feminina, realizada na França em 2019, contou com uma maior cobertura das TVs e plataformas digitais e não decepcionou, registrando um marco inédito de visibilidade. A competição foi a mais vista da história da modalidade, com audiência de 1,12 bilhão de pessoas, de acordo com a Fifa. Será que o interesse do público do “país do futebol” poderia aumentar se houvesse um empurrãozinho do marketing?
Enquanto essa dúvida paira no ar, o ciclo vicioso da desigualdade de gênero no futebol se retroalimenta: os clubes não investem nos times femininos; as marcas não apoiam as jogadoras, a imprensa não faz coberturas dos eventos; os jogos dão menos lucro, os Governos não investem no esporte de base e, com tanta falta de apoio, fica difícil investir em treinamentos de ponta para as atletas – o que, em algumas vezes, se traduz em menor qualidade técnica nos jogos, comparados aos times masculinos, que recebem salários e investimentos multimilionários.
Ao infinito e além
Ok, fazendo justiça aos avanços recentes, temos sim o que comemorar. Isso porque, em 1941, o futebol chegou a ser proibido para mulheres no País, por supostamente ser um “esporte incompatível com as condições de sua natureza”, num decreto que durou até 1979.
Diferentemente da Copa do Mundo Masculina de Futebol, que ocorre desde 1930, a edição feminina apoiada pela Fifa só teve início em 1991 e está agora em sua nona edição. Marcadas por protestos de grandes jogadoras e pelo apoio de parte da mídia e das redes, questionando a desigualdade de gênero, as duas últimas Copas do Mundo Feminina geraram uma pressão essencial para que mudanças importantes acontecessem.
No último jogo que o Brasil participou na Copa de 2019, a jogadora Marta fez um apelo às próximas gerações: “O futebol feminino depende de vocês para sobreviver”. Durante os jogos, ela se manifestou em relação à equidade de gênero no esporte, bem como a falta de apoio, reconhecimento e devida remuneração, dizendo que “faltam oportunidades, falta investimento, falta apoio”.
Após a Copa Feminina de 2019, algumas marcas seguiram com patrocínio e campanhas de apoio e visibilidade ao futebol de mulheres.
Em 2020, a Confederação Brasileira de Futebol declarou que as premiações para atletas das Seleções Masculina e Feminina passariam a ser iguais.
Depois de processar, em 2019, a federação de futebol americana por discriminar gêneros, a seleção americana continuou a lutar por salários equiparados. Em 2021, Megan Rapinoé, capitã da seleção americana (campeã em 2019), foi convidada a discursar no Comitê de Supervisão da Câmara dos Estados Unidos e falou sobre discriminação e desigualdade de pagamentos. E, finalmente, em maio de 2022, a Federação de Futebol dos Estados Unidos anunciou premiação igualitária após um acordo coletivo histórico.
Neste ano, além de aumentar o número de clubes participantes, de 24 para 32, a Fifa aumentou o valor da premiação da Copa do Mundo Feminina para US$ 150 milhões (ante US$ 38 milhões em 2019) – o que, infelizmente, ainda não se compara aos US$ 440 milhões pagos na Copa do Mundo Masculina do Catar, em 2022.
Aliás, comparando o salário das duas jogadoras mais bem pagas do planeta (as americanas Alex Morgan e Megan Rapinoe ganham cerca de US$ 700 mil/mês) é quase 1/10 do que recebe Cristiano Ronaldo e Mbappé, cujos pagamentos estão estimados em 75 milhões de euros/ano e 72 milhões de euros/ano, respectivamente.
O que as marcas podem fazer?
Uma boa notícia é que diversos segmentos estão se movimentando nos bastidores para garantir presença de marca durante o Mundial Feminino de 2023. Mesmo prometendo exibir apenas sete jogos desta edição em TV aberta e apenas 34 das 64 partidas na TV fechada, o Grupo Globo conseguiu comercializar suas dez cotas de patrocínio para o torneio.
Já a CazéTV, canal do youtuber Casemiro Miguel (fenômeno de audiência na Copa do Mundo do Catar, em 2022) já conta com 11 patrocinadores, entre eles as gigantes Coca-Cola, iFood, Itaú, Latam, Mastercard, Mercado Livre, Mc Donalds e Unilever.
A Fifa está otimista. Até agora, a organização acaba de registrar o recorde de 1 milhão de bilhetes vendidos antecipadamente para os jogos e pretende atingir a marca histórica de 1,5 milhão.
Diante desse apoio inédito do mercado publicitário com grandes verbas de patrocínio, fica a esperança de que outras marcas (principalmente aquelas que fazem alvoroço durante o mundial masculino de futebol) coloquem em prática seus discursos de equidade de gênero, diversidade e inclusão, apoiando com a mesma força o futebol das meninas.
E, sabendo que, segundo o IBGE, mulheres ainda ganham cerca de 22,3% a menos do salário dos homens, sendo que, nos cargos de liderança, esse número aumenta para 38,1%, é preciso que essas mesmas marcas (as que apoiam e as que ainda não apoiam o futebol feminino) passem a trabalhar efetivamente pelo compromisso de equiparar oportunidades e salários entre os gêneros. Quantas Copas teremos de esperar para que isso se torne realidade?