Estamos no Mês das Mães, e propagandas de crianças e jovens sorridentes presenteando mulheres já vêm circulando como é de praxe em datas sazonais do varejo. Mas, para além do marketing e com a sigla ESG cada vez mais presente no mundo corporativo, discussões sobre os direitos das mães também precisam se intensificar.
O “S” de ESG diz respeito ao olhar das empresas para o bem-estar da sua comunidade e para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, ética e sustentável. Por isso, a diversidade e a inclusão de grupos minorizados vêm ganhando tanta força nos RHs e nas políticas institucionais. Em relação à inclusão de mulheres, é evidente o crescimento de empresas comprometidas com o aumento da representatividade feminina, em especial nos cargos de liderança, mas para que isso aconteça de forma mais sólida, é preciso criar políticas efetivas de apoio às mães. E não é isso que os números mostram.
Segundo uma pesquisa sobre licença maternidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 48% das mães ficam desempregadas no primeiro ano após o parto. Ainda de acordo com o estudo, depois de 24 meses, quase metade das mulheres que tira licença-maternidade está fora do mercado de trabalho, um padrão que se perpetua inclusive 47 meses depois da licença. A maior parte das saídas do mercado de trabalho acontece sem justa causa e por iniciativa do empregador.
Pandemia: o terror das mães
É claro que a Covid-19 só piorou esse cenário. De acordo com o último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres são maioria entre os desempregados do País, e menos da metade (45,7%) das brasileiras em idade de trabalhar está ocupada. A taxa de desemprego do Brasil recuou para 11,1% no 4° trimestre de 2021, mas para as mulheres ficou bem acima da média nacional, em 13,9%, enquanto para os homens ficou em 9%.
Isso acontece por uma série de fatores. Um levantamento da Organização Mundial do Trabalho (OIT) apontou que o impacto da Covid-19 é mesmo muito maior sobre as mulheres, porque elas são maioria em carreiras muito atingidas pela pandemia, como as empregadas domésticas, profissão quase totalmente feminina e que teve 1,5 milhão de demissões no Brasil em 2020. Além disso, sem poder contar com creches e escolas durante o isolamento social, muitas mães que trabalhavam presencialmente tiveram de ficar em casa. E aquelas que se mantiveram empregadas enfrentaram o desafio de conciliar alta produtividade no trabalho com demandas de homeschooling, cuidados com a casa e com os filhos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora da sociologia do trabalho e docente da Unicamp Bárbara Castro afirmou que boas condições para trabalhar não passam apenas pela garantia de infraestrutura, mas também pela existência de um ambiente propício para o trabalho, sem interrupções – algo ainda mais difícil para as mães. “As mulheres, quando estão em casa, articulam trabalho e família o tempo inteiro, sobrepostos. A grande maioria não tem um espaço reservado [ao trabalho] e, mesmo quando tem, as que possuem família relatam ter suas rotinas interrompidas o tempo inteiro pelas demandas familiares”, explica Bárbara.
Ela afirma ainda que, durante suas pesquisas, é comum ver que a maioria dos homens tem um escritório ou outro espaço reservado ao trabalho, e que o relato de interrupções é menor ou inexistente para eles. Exatamente por isso, os homens afirmam ser mais produtivos trabalhando em casa, enquanto as mulheres sentem que rendem menos.
A dupla ou a tripla jornada não é novidade na vida das mulheres e mães. Mas ver números que comprovam a desigualdade de gênero só reforça o quanto o machismo estrutural ainda é fator predominante para a piora na qualidade de vida feminina. Segundo o IBGE, as mulheres dedicam, em média, 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, na comparação com 10,3 horas semanais gastas nessas atividades pelos homens.
Só que, na pandemia, essa desigualdade ficou ainda maior. O estudo Sem Parar – O trabalho e a vida das mulheres na pandemia, do coletivio Sempreviva Organização Feminista (SOF), publicado em 2020, aponta que 50% das brasileiras passaram a cuidar de alguém durante a crise da Covid-19, e 72% afirmaram que a necessidade de monitoramento e companhia aumentou. A pesquisa também evidenciou o racismo estrutural no País: 58% das mulheres desempregadas são negras.
E tem jeito?
A própria contratação de mães com filhos pequenos ainda é um entrave para as mulheres no mercado de trabalho, apesar de a discriminação durante processos seletivos “por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional ou idade” ser crime. Lembra de um caso que viralizou em 2020, de um anúncio de vaga no Amapá que procurava uma “vendedora sem filhos menores de 4 anos”? Ali, a discriminação escancarada levou o Ministério Público do Trabalho (MPT) a entrar com uma ação, que obrigou o grupo empresarial a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
No entanto, o mais comum é que as portas se fechem às mães com desculpas muito mais sutis e veladas, começando com perguntas nas entrevistas de emprego como: “com quem você deixa seu filho?”, ou “o que você faria se ele ficasse doente?”, que nunca são feitas aos pais.
Então, o que as empresas podem fazer para contribuir com a luta e mudar esse cenário? Diríamos que trabalhar a marca empregadora e seguir, de fato, os pilares ESG já seria um bom começo. E, muitas vezes, isso significa ir além das diretrizes que a lei propõe. Por exemplo, pagar a licença-maternidade a uma colaboradora é cumprir a lei. Mas proporcionar condições para que mais mulheres conciliem carreira e maternidade é se preocupar com o bem-estar social.
Por lei, mulheres no Brasil têm direito a 120 dias de licença pós-parto – ou 180 dias, caso a empresa seja inscrita no Programa Empresa Cidadã. Já os homens têm licença-paternidade pelo período de apenas cinco dias, ou 20 dias para os colaboradores de Empresas Cidadãs.
Mas aqui na Ecomunica, por exemplo, a gente acredita que bebês recém-nascidos precisam de cuidadores tranquilos e dedicados: uma mãe que consiga fazer a amamentação exclusiva por, pelo menos, seis meses, e um segundo cuidador (pai ou outra mãe) que apoie esse processo. Por isso, oferecemos licenças-maternidade e paternidade estendidas: dois meses remunerados, além dos previstos em lei, para mães e pais recentes e mais três meses de trabalho 100% remoto após a licença.
“Acredito que as licenças-maternidade e paternidade estendidas são essenciais para os bebês. E a paternidade, especialmente, é urgente para reduzir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Com pais em casa nesses meses tão importantes, a carga da mãe fica menos pesada, e essa criança só tem a ganhar com mais conexão com seus cuidadores”, explica Ellen Bileski, CEO e fundadora da Ecomunica.
Essa realidade, porém, está longe de ser comum. Para se ter ideia, segundo a Receita Federal, até o fim de 2021, menos de 1% das empresas brasileiras tinha aderido ao Programa Empresa Cidadã, o que representa 24.180 empresas. Uma das barreiras para a adesão é imposta pelas próprias diretrizes da política, que restringe o universo de empresas aptas àquelas que têm tributação com base no lucro real. Isso faz empreendimentos menores ficarem de fora. Mas o próprio Ministério da Economia estima que apenas 16% das empresas aptas aderiram ao programa, mostrando que ainda há falta de informação e de interesse pelas marcas.
Além da licença-maternidade, as lactantes que voltam ao trabalho presencial precisam ter empatia de seus gestores, bem como um ambiente digno e privativo para extrair e armazenar leite materno. Hoje, infelizmente, são poucas as empresas que dispõem de lactários ou espaços apropriados para essa função.
Lutar pela inclusão de cada vez mais mulheres e mães nos espaços de trabalho, com reais chances de assumir postos de liderança, é o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 5 da ONU (Organização das Nações Unidas), que trata dos esforços para atingir a igualdade de gênero até 2030. E mais: além de promover uma sociedade mais justa, trabalhar para a equidade de gênero é ainda mais sustentável para as empresas. Segundo o último Fórum Econômico Mundial, equidade de gênero nas companhias aumenta as performances econômicas e financeiras de 15% a 17%.
Isso sim mostra como as práticas do ESG são, de fato, as únicas ferramentas que temos hoje para tornar o capitalismo menos selvagem, os negócios mais sustentáveis, e o mundo mais justo e menos hostil, principalmente para os grupos minorizados.
Inclusão e justiça são nossos maiores desejos para o Dia das Mães, e os presentes mais importantes que as marcas podem oferecer a elas.