Não foi só o tapa na cara de Chris Rock, durante o Oscar, que repercutiu nos últimos dias. O tapa na cara de uma sociedade mais igualitária e diversa aconteceu no dia 19 de março, quando descobrimos que o LinkedIn, a maior plataforma profissional do mundo, estava excluindo anúncios de vagas afirmativas de trabalho, ou seja, aquelas voltadas a grupos minorizados. A Ecomunica mesmo teve um anúncio de vaga cancelado, de uma posição de gerência voltada a pessoas negras, trans, indígenas ou com deficiência.
De acordo com a rede social de carreira, os anúncios derrubados eram discriminatórios e atentavam contra a política de publicação da plataforma, que veda qualquer “demonstração de preferência” por profissionais com determinados requisitos relacionados a características individuais.
Demorou nada menos do que dez dias para que a plataforma voltasse atrás e anunciasse, que estava atualizando sua política global de anúncios de vagas. A partir do dia 29/3, passou então ser permitido divulgar processos seletivos e vagas de emprego que expressam preferências por pessoas e grupos historicamente desfavorecidos, como negros, indígenas, pessoas com deficiência, mulheres e LGBTQIA+.
A derrubada das vagas pela plataforma causou espanto, porque processos de recrutamento e seleção com base em ações afirmativas são respaldados pela lei: seja pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Igualdade Racial (lei 12.288/2010), pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil é signatário, e por Notas Técnicas do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Inclusive, em 2020, o Supremo Tribunal Federal e o MPT de São Paulo indeferiram as 11 denúncias de racismo recebidas contra a Magazine Luiza, marca pioneira no Brasil em abrir processo de seleção para trainee voltado exclusivamente a pessoas negras. Os dois órgãos concluíram que o caso se tratava de uma ação afirmativa de reparação histórica. “O que os empregadores não podem fazer é criar seleções em que haja reserva de vagas ou preferência a candidatos que não integram grupos historicamente vulneráveis”, disse na ocasião a coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, procuradora Adriane Reis de Araujo.
Não por acaso, o Ministério Público Federal e o Procon-SP notificaram o LinkedIn na semana passada. Além disso, ação civil pública foi movida pela Educafro e pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos, pedindo indenização de R$ 10 milhões em danos morais coletivos, que deverão ser destinados a entidades ou ações definidas pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Na ação, as entidades também exigem que o LinkedIn seja condenado a assumir compromisso público de reativar todas as vagas afirmativas e inclua cláusulas antirracistas em seus contratos.
Não basta ter vagas afirmativas
Ainda que seja uma ferramenta essencial de promoção da equidade – na verdade, a única maneira de reequilibrar uma sociedade tão desigual (e de preconceitos tão estruturais quanto dolorosos) -, a contratação de profissionais pertencentes a grupos minorizados por meio de vagas afirmativas é apenas uma das ações em prol da diversidade nas empresas. Sim, a corrida pelo “S”, do ESG, fez com que companhias criassem departamentos de Diversidade & Inclusão, revissem suas políticas e passassem a buscar esses profissionais no mercado. Isso é ótimo! Mas, para que essas iniciativas não caiam na vala do oportunismo e ganhem a pecha de “diversity-washing” (ações de fachada), é preciso ir além.
De nada adianta grupos minorizados serem contratados se dentro da empresa eles sofrerão os mesmos preconceitos estruturais presentes na sociedade. É preciso que as empresas invistam em letramento e treinamentos dos colaboradores, para que todos enxerguem e se sensibilizem com as nuances sociais. Ainda é necessário criar mecanismos internos para que as pessoas tenham reais chances de alcançar postos de liderança.
Outro importante ponto é saber que, ao abrir vagas afirmativas, talvez seja preciso fazer concessões e adequar o processo seletivo para que seja justo com as diferentes realidades e contextos sociais, culturais e históricos. Isso porque, até pelo fato de os grupos minorizados muitas vezes serem privados de acesso à educação e a oportunidades, é possível que falte algum requisito técnico aos candidatos, como falar fluentemente alguns idiomas ou conhecer profundamente determinada tecnologia. Mas isso não pode ser um impeditivo de contratação. É fundamental que as empresas estejam preparadas para oferecer treinamento constante aos seus colaboradores, de maneira a formar esse profissional e suprir as possíveis lacunas do mercado.
Também é primordial rever se o espaço físico (ou mesmo as condições de home office) do colaborador correspondem à realidade dele – será que ele tem acesso a equipamentos e internet de qualidade? Será que tem um espaço em casa para trabalhar com o mínimo de conforto? A empresa está apta para receber todo tipo de pessoa, incluindo aquelas com redução de mobilidade, que façam uso de cadeira de rodas, por exemplo?
E a comunicação da empresa? Ela é inclusiva em todos os aspectos, de forma a engajar e ser compreendida por todo o público interno?
São tantas as questões que envolvem as vagas afirmativas e a real prática do ESG pelas empresas que a ação do LinkedIn veio como um balde de água fria, minando os esforços já conquistados. Felizmente, a pressão de todas as empresas e entidades que já estão trilhando a jornada rumo a um mercado mais diverso e inclusivo fez efeito. E, diante de tantas notícias ruins dos últimos tempos, saber que temos voz e força para protestar e ver que grandes marcas também estão nessa luta por um mercado de trabalho e uma sociedade mais justos foi, realmente, um alento.