O Carnaval de 2023 acabou (será?), e o que restou, além do glitter impregnado, foram burburinhos que vão durar ainda muitos carnavais. No mundo do marketing, um grande buzz foi a presença da übermodel Gisele Bündchen no camarote Brahma Nº1, dentro da Sapucaí, no Rio. Afora a raridade na aparição (fazia 12 anos que ela não assistia aos desfiles do Rio), chamaram a atenção as cifras dessa ação: a top embolsou nada menos que US$ 2 milhões, o equivalente a 10 milhões, por três horas de festa — ou R$ 57 mil por minuto! Diante de uma ação de marketing tão grandiosa, quais seriam as consequências positivas para a marca? E será que haveria também consequências negativas?
Bem, Gisele é… Gisele: garantia de ação bem feita, com baixíssimo risco de intercorrências ou danos à imagem e feita pra “causar” mesmo — ainda mais agora, que ela está solteira, e a mídia anda ávida por qualquer acontecimento que envolva seu nome.
Se o intuito da Ambev (dona da Brahma) era aumentar as menções e o awareness da marca, digamos que a ação cumpriu o seu papel. Todo e qualquer detalhe sobre a vinda da modelo ao País foi explorado exaustivamente pela imprensa e nas redes sociais. No Google Trends é possível comprovar que os termos “Gisele”, “Gisele Bündchen” e “Brahma” explodiram nas pesquisas do buscador.
Além de trazer prestígio, de fazer co-branding com uma marca de ótima reputação (no caso, Gisele) e promover publicidade positiva para a Brahma, a ação ainda mostrou “bala na agulha” da Ambev em termos financeiros, o que poderia dissipar recentes suspeitas negativas ligadas à saúde financeira do conglomerado cervejeiro.
É bom lembrar que, no início de fevereiro, a associação CervBrasil, que representa o Grupo Petrópolis, Germânia e Lund, dentre outras fabricantes de cerveja, colocou em dúvida os balanços financeiros da Ambev, dizendo que poderia haver uma dívida de R$ 30 bilhões de grandes empresas de bebidas em impostos e questionando se isso estaria sendo considerado nos balanços da Ambev. A associação ainda relacionou a situação à crise das Americanas, já que a Ambev tem como acionistas o mesmo trio de bilionários que é sócio das Americanas: Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. Na ocasião, a Ambev afirmou que a suspeita da CervBrasil era “falsa, oportunista e irresponsável”.
Aula de branding à la Gisele
Sobretudo nas redes sociais, muitas das menções a Gisele eram (veja só!) críticas ao look, à maquiagem e ao penteado da modelo, considerados básicos demais para a ocasião. Afinal, ganhando R$ 10 milhões em apenas três horas, “era de se esperar” uma produção “mais elaborada”, ainda mais quando vemos tantas celebridades e influenciadores montados com fantasias mirabolantes, trajes diminutos, brilho e transparências.
No entanto, com sua água de coco nas mãos (ela não consumiu a cerveja patrocinadora), o que Gisele entregou foi uma verdadeira aula de branding pessoal, já que tudo ali foi calculado para reforçar a autenticidade e a imagem que ela sempre teve.
Aos 42 anos, a übermodelo teve penteado e maquiagem assinados pelo badalado beauty artist Henrique Martins e estava trajando um look idêntico ao que usou no Carnaval de 2004. A ideia foi cuidadosamente concebida pelo stylist Pedro Sales, responsável também pelo visual de carnaval de Sabrina Sato, Ivete Sangalo, Bruna Marquezine e Marina Ruy Barbosa. O resultado foi a comparação da Gisele dos anos 2000 com a Gisele de hoje, mostrando que o tempo tem sido seu amigo, e ela se mantém bela, potente e mais “sarada” do que nunca.
O lado B do burburinho
Contratar Gisele Bündchen para fazer presença VIP tem seu preço — e olha que não estamos falando só dos R$ 10 milhões.
Ao mesmo tempo em que a ação trouxe prestígio à patrocinadora, houve também questionamentos nas redes sociais em relação ao grande abismo social que separa o cachê pago à modelo ao valor oferecido aos trabalhadores do camarote, algo em torno de R$ 200 por noite.
Outra cobrança por parte do público foi em relação à ajuda da Ambev (e de seus donos, enquanto pessoas físicas) às vítimas dos deslizamentos e inundações no litoral norte de São Paulo. “Se doasse o cachê dos VIPs do camarote, daria para pagar todos os moradores do litoral norte” foi uma das frases que circulavam pelo Twitter.
Pressionada, a cervejaria doou 70 mil litros de água de sua marca própria (AMA), 45 toneladas de alimentos e 14 toneladas de itens de limpeza para a população afetada pelas enchentes no litoral norte de São Paulo. Porém, até essas doações foram comparadas ao cachê de Gisele, diante da discrepância de valores.
Recentemente, Gisele Bûndchen também passou a ser cobrada nas redes, depois que o jornal New York Post revelou que a Luz Foundation, instituição de caridade criada pela ûbermodel e seu ex-marido, Tom Brady, doou entre 2007 e 2019 um total de US$ 640 mil (cerca de R$ 3,4 milhões na cotação atual) — apenas 0,00008% do patrimônio líquido combinado do ex-casal, que está avaliado em US$ 770 milhões (R$ 4,17 bilhões).
Segundo o jornal, em 2018, a instituição apoiou com apenas US$ 300 o Waterkeeper Nicoya Peninsula, grupo ambientalista da Costa Rica, onde o casal tinha uma casa à beira-mar. No mesmo ano, doou US$ 900 para o World Wildlife Fund e US$ 1.000 para a Challenged Athletes Foundation — instituição de caridade que ajuda pessoas com deficiências físicas. Os registros públicos afirmam que a maior parte das doações da Fundação Luz foram para grupos de ioga e meditação.
Em tempos de ESG, em um País com tantas questões sociais urgentes, os consumidores se mostram cada vez mais atentos a incoerências entre discurso e práticas. E é aí que a internet vira palco de cobranças, críticas e crises de imagem — o que pode fazer qualquer magia de carnaval sair pela culatra.