Nos últimos tempos, dois acontecimentos fizeram com que o Twitter virasse notícia. O primeiro e mais bombástico foi o anúncio de que Elon Musk, sul-africano dono da Tesla e SpaceX, vulgo “o homem mais rico do mundo”, tornou-se o principal acionista da rede social do passarinho, ao adquirir 9,2% da empresa por cerca de R$ 2,9 bilhões. Com o passar dos dias, a manchete foi ficando ainda mais espetaculosa: Musk fez uma oferta bem agressiva para comprar 100% do Twitter e ainda fechar o capital da empresa, já que, segundo ele, com capital aberto, a plataforma “não pode prosperar nem servir” à liberdade de expressão. O bilionário ainda ameaçou reconsiderar sua posição como acionista se a proposta for recusada.
Como tudo o que envolve Musk, essa operação também é cercada de polêmicas. O magnata está sendo processado, sob a acusação de fazer uma manobra ilegal – ele teria adquirido as ações no dia 24 de março e só avisado a SEC (Securities and Exchange Commission, agência federal responsável por regular e controlar os mercados financeiros) no dia 1º de abril, o que o permitiu comprar mais papéis da companhia por um preço mais baixo. Quando Musk finalmente preencheu o formulário que revelou sua participação, os papéis subiram 27%, passando de US$ 39,31 para US$ 49,97.
É bom lembrar que o Twitter vive um momento delicado, com papéis subvalorizados no mercado, num período de grande transição que se intensificou principalmente depois que o cofundador Jack Dorsey deixou o cargo de CEO, em novembro passado. Por isso, quando Elon Musk “chegou chegando”, tuitando para seus 81 milhões de seguidores algumas sugestões de mudança na rede e garantindo sua participação no Conselho Administrativo, os investidores se animaram.Nesta semana, porém, veio o balde de água fria: além de desistir de fazer parte do Conselho, Musk fez (mais um) tuíte polêmico, constatando que os perfis mais seguidos no mundo tuítam raramente e publicam muito pouco conteúdo. “Por exemplo, Taylor Swift [6º perfil em número de seguidores] não posta nada há três meses. E Justin Bieber [nº 2 no ranking] só postou uma vez neste ano. “O Twitter está morrendo?”, alfinetou.
Vale a pena se afastar da rede?
O segundo acontecimento em relação ao uso da rede não teve tamanha repercussão, mas gerou reflexão, principalmente por parte da imprensa. Em um comunicado interno, que vazou no dia 7 de abril, o editor executivo do The New York Times, um dos mais importantes jornais do mundo, recomendou a seus quase 2 mil jornalistas que “se afastem” ou “reduzam significativamente” a presença no Twitter – rede que, segundo ele, deve ser tratada com “ceticismo jornalístico”. Entre as razões alegadas estão os constantes episódios de assédio e ataques que os profissionais sofrem na rede, o que poderia levá-los a ficar mais focados em como o Twitter reagirá ao trabalho deles do que em sua missão de informar e na independência inerente à profissão. O editor-executivo Dean Baquet disse também que, na rede, “podemos [jornalistas] dar respostas improvisadas que prejudicam nossa reputação jornalística”.
Será que as grandes celebridades, campeãs de seguidores na rede, já estão seguindo essa recomendação e, por isso, deixaram de postar tanto?
Tomando como base o comunicado do NYT, uma das reflexões que repercutiu bastante foi a da jornalista Mariliz Pereira Jorge, em uma de suas colunas para a Folha de S.Paulo: “As palavras de Baquet me acertaram em cheio. Ele descreveu exatamente o que tenho pensado sobre as consequências profissionais e pessoais de dedicar à rede não apenas tempo, mas a distância necessária para o pensamento crítico e independente que todas as pessoas deveriam ter, ainda mais relevante no jornalismo. Além do custo emocional que tem se revelado impagável.” Para ela, a rede tornou-se um lugar hostil, onde fake news, ameaças, injúria, difamação e discurso de ódio rolam soltos, fomentando ansiedade, depressão, medo, infelicidade, raiva, insônia, bullying, paranoia, necessidade de pertencimento e queda de autoestima.
Além disso, Mariliz lembra de perfis, incluindo o de parlamentares, que estão por trás de ataques organizados a várias mulheres jornalistas e de gabinetes e assessores pagos com dinheiro público para produzir posts com insultos, ofensas e ilações. E o pior: nenhuma punição acontece por parte da rede.
De fato, é difícil (e um tanto tóxico) acompanhar polêmicas que nascem no Twitter, como os recentes casos da marca de sorvetes Bacio di Latte e da onça pintada “vegana”, por exemplo. E ali, tudo tem um alto potencial de virar uma polêmica bem bizarra. Em tempos pré-eleição então, a rede passa longe do debate saudável e vira um ringue de ataques mútuos.
A impulsividade é inimiga da reputação
Um dos motivos de o Twitter ter se tornado essa arena romana é o fato de ter sido criado, justamente, para ser instantâneo. Ali, não é preciso pensar em foto, vídeo, edição, roteiro, identidade visual… Basta comentar sobre qualquer assunto com até 280 caracteres – o que, convenhamos, é um prato cheio para a nossa impulsividade, não é mesmo?
Só que impulsividade, definitivamente, não combina com a construção de reputação. E como a gente aqui na Ecomunica é especialista em imagem e Comunicação, esse assunto também nos fez refletir um bocado…
Principalmente porque a internet tem memória e alguns posts, mesmo que não causem polêmica na hora, podem envelhecer muito mal. Quantas celebridades, influenciadores e ex-BBBs não foram cancelados e perderam patrocínio depois de vir à tona um tuíte antigo e completamente fora do tom para os dias de hoje? Um dos casos mais famosos aconteceu em 2019, quando o comediante Kevin Hart teve que declinar do convite para apresentar o Oscar, depois que vieram à tona tuítes de teor homofóbico postados por ele anos atrás.
Felipe Neto, o youtuber brasileiro com mais seguidores (43,9 milhões ao todo), também já foi questionado por causa de tuítes antigos, nos quais expressava posições políticas diferentes das que tem hoje, além de comentários machistas e homofóbicos. “Já fui muito criticado por opiniões que simplesmente deixei de ter há muito tempo. O importante é mostrar seu amadurecimento e como você se tornou uma pessoa melhor, admitindo os erros do passado”, disse em entrevista ao jornal O Globo. Felipe, inclusive, chegou a fazer um vídeo intitulado “Como deixar de ser babaca”, no qual resgatava suas postagens antigas e fazia um mea culpa. “Nunca é tarde para pedir desculpas e passar a ser uma pessoa melhor”, disse na ocasião.
Por isso, recomendamos que as marcas vasculhem as redes dos influenciadores e celebridades antes de fechar parcerias. Como já falamos por aqui, um escorregão de um embaixador de marca pode sim respingar nas empresas e manchar reputações. Mas é importante lembrar que todos nós, mesmo que não sejamos famosos, estamos sujeitos ao escrutínio público. Muitas empresas sabem disso, a ponto de pesquisar o histórico de quem se candidata a uma vaga de emprego. Em setembro de 2018, quando contratou a jornalista Sarah Jeong, o The New York Times foi criticado por causa de tuítes preconceituosos que a profissional havia publicado. O jornal respondeu que já havia “revisto” as redes dela antes da contratação — e que os comentários estavam O.K. pela empresa.
Na era das redes sociais, todos viramos marcas (pessoais e profissionais) e nosso branding precisa estar coerente com a ética, a moral e, claro, os valores das empresas para as quais trabalhamos ou pensamos em trabalhar. Não existe mais a desculpa “postei nas minhas redes pessoais”, porque simplesmente, tudo o que é postado pode se tornar público — vide o caso Arthur do Val, que fez comentários sexistas num suposto grupo de amigos no WhatsApp e, agora, está enfrentando as consequências de seus atos.
Conteúdo relevante salva (sempre)!
E o que, afinal, é importante para as marcas no que diz respeito ao Twitter? Para responder essa pergunta, vale resgatar uma pesquisa, feita em 2021 pelo próprio Twitter em parceria com a Kantar Ibope Media, sobre como os usuários se relacionam com as marcas e o impacto que elas têm em suas vidas, o que eles chamam de relevância cultural.
A pesquisa identificou três gatilhos que influenciam o público da rede a comprar: preço e qualidade (47%), reputação da marca (27%) e relevância cultural (26%). Sendo assim, o segredo é o mesmo para todos os canais de comunicação: criar conteúdo relevante e que faça a diferença na vida das pessoas. E isso vale não só para marcas, mas também para pessoas físicas.
Não à toa, tem gente muito séria fazendo um trabalho incrível no Twitter, como as cientistas brasileiras que ganham cada vez mais seguidores, por combater fake news e democratizar informação na plataforma. Pois é: tem coisa boa no limbo do Twitter (ufa!).
Também é sempre bom lembrar que o Twitter está cheio de perfis “trolls”, ou seja, de pessoas que instigam discussões. A regra é: fuja deles! Para isso é preciso frear impulsos beligerantes e pensar estrategicamente quais brigas realmente valem a pena ser compradas ali em 280 caracteres, sabe? Aliás, pensar e postar estrategicamente é uma ótima dica em tempos pré-eleição, pois como disse o editor do NYT, dar respostas improvisadas pode prejudicar nossa reputação.
Dean Baquet fez ainda uma última reflexão, numa entrevista após o vazamento do seu comunicado: “Se der uma olhada em alguns jornalistas do NYT e de outros [canais de comunicação] — com que frequência eles tuítam, o que tuítam, a importância do que tuítam, quanto tempo eles gastam nisso —, você deve se perguntar: se o seu papel é descobrir fatos importantes e relatá-los ao mundo, é assim que você quer passar o dia?”. É um ponto que vale a pena pensar, seja você jornalista, seja você só mais um usuário da rede do passarinho.