Para além do mundo das fofocas de celebridades, a notícia da ruidosa separação entre a cantora Shakira e o ex-zagueiro do Barcelona Gerard Piqué causou burburinho no universo do marketing, depois que a diva pop lançou o Music Session #53. Repleta de referências à traição do ex-marido, a canção em parceria com o DJ Bizarrap menciona algumas marcas e virou prato cheio para o chamado Marketing de Oportunidade – que, em algumas situações, descambou para o marketing oportunista. Mas, afinal, qual o limite para surfar na boa onda dos virais?
Para entender a polêmica, é preciso dizer que, na letra da canção, Shakira afirma: “Você trocou uma Ferrari por um Twingo / Você trocou um Rolex por um Casio”, numa alusão à troca de artigos de luxo por produtos mais baratos e populares.
Num primeiro momento, a francesa Renault (dona do Twingo) e a marca japonesa de relógios Casio não ficaram muito felizes com a menção, uma vez que o novo hit citava as marcas como um “rebaixamento”, o tal down grade de categoria. Mas essa impressão logo se dissipou quando perceberam a força da popularidade repentina na era das redes sociais.
A diferença foi apenas o modo como cada uma aproveitou o momento.
Oportunidade com elegância?
Só para refrescar a memória, o Twingo foi comercializado no Brasil entre 1994 e 2003, tendo 12 mil unidades vendidas. Hoje, o seu equivalente de categoria aqui seria o Renault Sandero.
Desde que a canção-bomba foi lançada, a Renault tem optado por uma abordagem, digamos, mais elegante. No dia do lançamento, aproveitaram para exaltar as características desse que é um de seus carros mais clássicos, mencionando trechos da música.
Ainda na semana do lançamento, Piqué chegou ao Kings League, campeonato espanhol criado por ele, não com seu costumeiro Porsche, mas a bordo de um… Twingo. Em entrevista ao portal espanhol Lecturas, a Renault afirmou que um representante do jogador ligou para eles e organizou a aparição. “Para nós é publicidade gratuita”, confirmou. E a propaganda surtiu efeito: segundo um outro representante da marca, desde o lançamento da música, o site da Renault teve um aumento de mais de 2.000% na procura pelo automóvel.
Numa rápida pesquisa no Google Trends, é possível ver que, de fato, o interesse pelo nome do veículo explodiu globalmente:
Mas quer ver uma boa ação do chamado Marketing de Oportunidade? A Renault está promovendo, na Europa, a campanha #ReinventTwingo, que celebra os 30 anos do utilitário – sem fazer qualquer menção à Shakira vs Piqué. A partir de amanhã (1º/2) até o dia 31/3, a ideia é que os fãs do carro possam criar novas versões do veículo por meio de Inteligência Artificial. A versão escolhida será produzida e, com isso, a marca se torna a primeira fabricante de automóveis a combinar inteligência artificial e humana no design de um carro de exposição.
Como é uma data emblemática para o Twingo, é bem provável que a Renault já tivesse planos de lançar essa campanha, mas não deixa de ser uma baita sorte que o carro tenha se tornado um dos mais famosos do mundo logo no início do ano, não é mesmo?
Humor ou brincadeira oportunista?
A Casio decidiu seguir outro caminho, com ma estratégia bem diferente. Além de ressaltar a qualidade de seus produtos e apelar para a memória afetiva do público, a empresa tratou o assunto com muitos memes e deboche que alfinetam a cantora.
Rolando o feed do Twitter da Casio Espanha, é possível encontrar frases como: “Em defesa dos nossos relógios, a bateria dura mais do que a relação de Piqué e Shakira”; “Enquanto Rolex chora, a Casio fatura”, entre outras ironias ácidas, como “Shakira, talvez não sejamos um Rolex, mas nossos clientes é que são fiéis”, ou ainda a que faz lembrar que a artista teve problemas com o fisco espanhol.
Porém, depois que Piqué anunciou em uma live que a Kings League havia supostamente firmado um acordo com a Casio, a marca passou a receber uma enxurrada de críticas. A maioria delas em defesa de Shakira, acusando a empresa de apoiar um homem que traiu a confiança da mulher, levou a amante para a casa onde vivia com a esposa e os filhos e, depois de ver tudo isso exposto ao mundo, em vez de se constranger ou pedir desculpas, ostentava uma parceria para lucrar com a situação.
Vendo que a onda em que surfavam estava indo para o caminho do cancelamento, a Casio Espanha publicou uma enquete no Twitter perguntando: “Estamos pensando em continuar com a colaboração de patrocínio a Piqué. Seguimos com ele ou o despedimos?” E 51,4% da audiência optou por despedi-lo.
Por coincidência, no dia em que Piqué fez esse anúncio de patrocínio, as ações da Casio caíram 1,36% na bolsa de Tóquio, juntamente com outras tantas baixas (foi coincidência, porque a bolsa de Tóquio fechou antes do anúncio de Piqué).
Imediatamente, em pronunciamento oficial, a marca negou qualquer parceria com o atleta: “Você deve ter visto que estamos patrocinando alguém. Claramente não estamos. Não somos Time Piqué ou Time Shakira. Somos Time Casio”. E ainda advertiu o jogador: “Solicitamos publicamente que Piqué detenha o uso da nossa marca sem autorização e evite fazer declarações que não nos favoreçam, de modo a prevenir ações legais.”
E, mesmo depois de tudo isso, a empresa aparentemente ainda não superou o assunto, pois segue publicando memes provocativos…
Qual o limite, então?
Marketing de Oportunidade nada mais é do que usar uma data comemorativa, uma tendência, um acontecimento, ou até uma ação da concorrência para falar de sua marca – seja para trabalhar a reputação, seja para gerar awareness ou mesmo lucrar. Sendo assim, adotar essa estratégia demanda o trabalho de um time muito ligado nos temas quentes do momento.
Porém, é preciso atenção para que o afã de pegar carona em assuntos virais não gere o impacto contrário e se torne um marketing oportunista. Isso acontece, por exemplo, quando marcas usam datas importantes para visibilidade de causas e prevenção de doenças (Janeiro Branco, Setembro Amarelo, Outubro Rosa etc) para vender produtos e serviços, sem qualquer relação com o propósito original das datas – ou com contrapartidas mixurucas para a causa.
Outro caso emblemático foi o da grife de roupas carioca Farm que, em 2021, anunciou uma ação de vendas em solidariedade à família de uma de suas vendedoras, Kathlen Romeu, jovem grávida morta numa operação policial no Rio. A iniciativa propunha que novas vendas com um determinado cupom teriam a comissão revertida para a família da vítima.
Imediatamente uma enxurrada de comentários inundou a página da marca, questionando a ação e acusando a empresa de querer ganhar dinheiro em cima de uma tragédia, já que não abriria mão de seu lucro para ajudar.
Abordar temas polêmicos e com alto potencial de viralização também é um grande risco. Por isso, é imprescindível analisar com cuidado os assuntos tratados e o posicionamento adotado pelas marcas, principalmente quando se aborda temas como política, religião, ciência e lutas sociais.
Empatia, letramento em Diversidade & Inclusão e contratação de uma equipe de Comunicação com pessoas de diferentes gerações, etnias, gêneros, classe sociais e outras pluralidades ajudam muito na análise de sensibilidade de cada assunto. E, sim, quando se trata de Marketing de Oportunidade, é necessário que haja níveis de aprovação, para que a ansiedade de postar, e surfar rapidamente na tendência, não atropele o bom senso. Porque, de resto, só mesmo o “bom tom”, como diria a personagem Keila Mellman (Ilana Kaplan), para salvar a oportunidade do mau gosto e oportunismo.