A discriminação contra pessoas mais velhas tem muitos nomes – e também muitas camadas. Etarismo (ou ainda idosismo, idadismo, gerontofobia, velhofobia e ageísmo) deriva do inglês ‘ageism’, que significa o preconceito contra o idoso. Ou melhor, a pessoa madura, que é como preferem e, portanto, devem ser chamadas.
A crença por trás do preconceito
Geralmente, o etarismo é acompanhado de desdém por pessoas com mais de 50 anos e vem acompanhado de crenças infundadas de que, com o passar da idade, as pessoas ficam ultrapassadas e, de certa forma, tornam-se descartáveis. De que a pessoa madura é incapaz, frágil, tem pouco discernimento, é dependente ou que são todas iguais.
“O principal motivador desse preconceito é a falta de conscientização sobre o processo acelerado de envelhecimento do Brasil e, mais ainda, a visão de que a velhice é só custo para a sociedade, para o Estado, para as famílias, que a pessoa idosa não tem mais como contribuir para o desenvolvimento econômico. Não é assim nos países ricos, e o Brasil está atrasado”, acredita Félix.
O que falta é o entendimento de que as pessoas maduras são plurais, têm diversos interesses e estilos de vida. Aliás, estamos envelhecendo e isso é um fato: segundo o IBGE, até 2050, um terço da população brasileira terá mais de 60 anos. Em nosso País, a população prateada já supera a de crianças até 9 anos, desde 2014.
Hoje, há uma população gigantesca de 50+ ativa, que trabalha, viaja o mundo, se exercita, cuida da aparência, sustenta a família, é sexualmente ativa e representa um grande público consumidor, que movimenta a chamada Economia da Longevidade, mas é ainda ignorada pela maioria das marcas. Quando se tornam público de campanhas publicitárias, geralmente são retratados como uma massa uniforme, como se as pessoas de 50 a 90 anos tivessem as mesmas necessidades.
“A economia da longevidade é hoje um conceito definido como uma política industrial. O mundo inteiro está envelhecendo, e surge uma concorrência para a inovação e o domínio dos mercados de produtos e serviços que farão parte cada vez mais da cesta de consumo das famílias, com mais idosos e menos crianças. Por esse lado, as grandes marcas, sobretudo as gigantes tecnológicas, como Amazon, Google e outros, estão muito atentos e dominando os segmentos de maior valor agregado. Assim como ocorre com Nestlé, Danone e Abbott, ou S.C.A Brasil (Tena), Ontex (Bigfral) entre inúmeros exemplos. Mas o varejo não está tão atento para o consumidor idoso como as indústrias multinacionais”, diz o especialista.
O etarismo feminino
As mulheres maduras são as que mais sofrem, já que o etarismo para elas é constantemente associado ao machismo e à pressão pela utópica juventude eterna.
A supermodelo dos anos 90 Linda Evangelista revelou na última semana seu drama pessoal em relação ao etarismo e à pressão estética. Aos 56 anos, ela expôs nas redes ter feito um procedimento estético que não saiu como o esperado. Além de uma crise de autoestima e autoimagem, hoje ela tem de lidar com flagras de papparazzi, manchetes de sites e comentários na web que se referem a ela como “desfigurada”, “irreconhecível” e “deformada” – palavras que ela mesma usa para se descrever.
Recentemente, a atriz Jennifer Aniston, a Rachel da série Friends, foi notícia por causa de seu ritual quase sobre-humano para manter uma aparência jovial. Ela, hoje aos 52 anos e atuando em novas séries de sucesso, é das poucas celebridades que ousam confessar não ser fácil manter a aparência física. Sim, ainda há personalidades que insistem em afirmar que basta uma “boa genética e beber muita água” para se manter sempre jovem e bonita.
Sobre esse aspecto, Félix é otimista: “sim, a sociedade é patriarcal. O homem, mesmo na fase idosa, pode tudo. E esperam das mulheres idosas o papel padrão da avó. Mas essa interpretação está mudando – ainda que lentamente. Afinal, essa idosa de hoje foi aquela mulher que queimou sutiãs em praça pública, trabalhou, rompeu o que pode das correntes patriarcais… Logo, sua visão de si mesma, do mundo e da velhice é outra. Estamos testemunhando o que eu e a professora Guita Grin Debert chamamos de ‘velhice insubmissa’. Só que isso não será aceito sem tensão por essa sociedade patriarcal”, diz.
Vale lembrar: a estética é efêmera e muitas vezes superficial. Mas, numa sociedade que supervaloriza a juventude, o que pode sobrar, além das distorções da autoimagem e das discriminações?
A velhice LGBTQIA+
Além das mulheres, pesquisas mostram que o público LGBTQIA+ também é mais vulnerável, quando falamos em envelhecimento – ainda que esteja vivendo mais.
“Uma imensa parte desse público envelhece longe da família e, como a nossa Constituição delega à família os cuidados de longa duração, isso se torna um grande desafio para essas pessoas. É uma população que sofre duplos ou triplos preconceitos. Mais uma vez, é a sociedade civil que está procurando mitigar esses efeitos. No entanto, com o envelhecimento populacional será preciso rever e criar leis de acolhimento especiais”, diz Jorge Félix.
Segundo o especialista, quanto mais o Estado adotar respostas construtivas no âmbito socioeconômico, o idosismo para todos os públicos será menor. Isso não significa apenas estimular o consumo dos idosos e enxergar a dinâmica demográfica com lentes economicistas. “É adotar respostas que estimulem a convivência intergeracional. A economia é apenas um aspecto, uma possibilidade. Existem muitas outras, a representação, a cultura, a questão da cidade, dos espaços…”
ESG ignora maduros
Diante de toda essa reflexão, é curioso que até nos processos de inclusão pautados pelos pilares ESG (governança ambiental, social e corporativa), a contratação e aproveitamento adequado da experiência do público maduro esteja sempre por último (quando não é inexistente).
No geral, algumas empresas acabam lançando modestos programas de emprego para pessoas com mais de 50 anos. “E a primeira coisa que fazem é chamar a imprensa para divulgar. Isso não resolverá o desafio do trabalhador idoso no Brasil. Também não condiz com boas práticas”, diz o especialista. “As empresas fazem esses programas, mas a idade média do total de empregados é baixa. Mais baixa do que nas décadas passadas a despeito de a população estar mais velha. O que interessa não é se você abriu dez vagas para pessoas negras, com deficiência ou com mais de 50 anos e sim se o total dos empregados refletem o perfil da população. Mais ainda: em quais funções essas pessoas estão atuando?”
Para o especialista, será muito difícil reverter a tendência de descarte do trabalhador depois dos 45 anos sem regulamentação. Ainda mais porque a realidade no Brasil e no mundo é, justamente, a desregulamentação das relações de trabalho.
“Pesquisas internacionais mostram que a idade de corte hoje, mundialmente, é de 45 anos. É o fenômeno denominado pela socióloga francesa Anne-Marie Guillemard, de ‘fragilização da segunda metade da carreira’. As empresas hoje produzem mais com menos gente. Os contratados são aqueles que fazem a gestão, portanto, como a população idosa ou com mais de 50 anos no Brasil tem poucos anos de estudo, abre-se um fosso, uma polarização no mercado de trabalho. Outro fator que coloca o trabalhador em desvantagem é a necessidade de as empresas darem resultados muito elevados aos acionistas, consequência da financeirização.”
Mídia ultrapassada
O fato de as experiências e as evidências derivadas da idade serem menosprezadas em vez de consagradas pode, em parte, ser explicada pela representação do público 50+ na mídia – isso é, quando se tem alguma representação. Do cinema à publicidade, é comum que interpretem personagens secundários e sejam caracterizados como pessoas limitadas, que precisam de cuidados excessivos e tratadas de forma infantilizada. Em janeiro, a esquete “Responsável”, do Porta dos Fundos, gerou revolta nas redes e promoveu as hashtags #atualizaPorchat e #atualizaPortadosFundos por retratar, ainda que em forma de sátira, o público maduro como incapaz e “sem noção”.
E quais são os efeitos que essa representação caricata pode causar nos maduros da vida real? Como será que as gerações mais novas recebem e interpretam essas informações?
“Não existe uma preocupação por parte de empresas e publicitários com as caricaturas, com as situações usadas na propaganda. O velho tem que ser o palhaço, o engraçado ou a figura de comportamento inusitado. É quase o que é feito com a pessoa obesa. Para ser aceito tem que ser o “gordo simpático e engraçado”. As principais barreiras, portanto, são o desconhecimento, a falta de educação gerontológica que deveria, pelo Estatuto do Idoso, ser ensinada na escola desde a infância”, acredita Félix.
E a Comunicação nisso tudo?
Pois é: o etarismo é também um problema de (e da) comunicação. Há muito tempo, perdemos a oportunidade de incluir essas pessoas na sociedade, com a devida sensibilidade, instituídos de autonomia e de suas próprias linguagens.
Nessa pegada, o que podemos fazer como comunicadores é buscar compreender como transmitir mensagens que possam gerar maior identificação desse público. A principal dica é óbvia e já praticamos com públicos de outras idades: prestar atenção. Nas linguagens e termos utilizados (que tal vitalidade, em vez de rejuvenescimento?), com o design, no contraste, tamanho de letras, fluxo de compras enxutos, entre outros. Tudo que facilite a experiência do ser humano no ambiente físico e por trás das telas.
Durante muito tempo, a imprensa e o entretenimento da TV ignoraram completamente o artigo do Estatuto do Idoso, que obriga os veículos de comunicação a terem “espaços ou horários especiais voltados aos idosos, com a finalidade informativa, educativa, artística e cultural, e ao público sobre o processo de envelhecimento”.
“É o artigo 24. Isso nunca foi respeitado pelos veículos que são concessões públicas e o Ministério Público nunca fez nada para que a lei não ficasse no papel. Hoje, porém, as coisas estão mudando timidamente”, garante Félix. “Meu trabalho na TV Globo é um sinal disso. A maior emissora do país ter um profissional para falar só de longevidade. Nunca teve. Outras emissoras fizeram programas que surgiram e acabaram sem muita repercussão. O mercado publicitário demanda esse espaço cada vez mais. Afinal, são várias velhices e é preciso sair dos estereótipos, mostrar essa heterogeneidade e reforçar que a pessoa idosa luta por direitos como outros grupos identitários”, diz o especialista.