Cabelos cacheados, óculos de armação redonda e o mesmo tom de pele. A reação da pequena Manu, de 2 anos, ao ver a personagem Mirabel da animação Encanto, da Disney, foi imediata: “sou eu, mamãe!”.
Registrada em um vídeo publicado nas redes sociais da família e que hoje conta com milhares de visualizações, a identificação não passou despercebida. “O poder de se enxergar na história”, escreveu a atriz norte-americana Viola Davis, símbolo da luta por mais representatividade em Hollywood, em sua conta do Instagram. A publicação original teve as curtidas de Bruna Marquezine e de Sabrina Sato, e a menina virou pauta de reportagens na imprensa.
Situações como essa mostram o quanto a representatividade importa. A partir dela, é possível refletir a pluralidade da sociedade e, para grupos minoritários, reconhecer-se em personagens carrega a mensagem de que ocupar posições de destaque pode estar cada vez mais próximo da realidade, talvez nunca antes imaginada.
Enxergar-se em um filme da Disney, por exemplo, é uma questão que ultrapassa a autoestima e a identificação; é poder se imaginar acessando lugares, espaços e o sucesso – para um dia, de fato, conseguir atravessar barreiras.
BBB da diversidade
E, por falar nisso, a mais nova edição do Big Brother Brasil já marcou a história da televisão brasileira. Pela primeira vez em 20 anos de exibição, o elenco da casa mais vigiada do Brasil conta com forte representação LGBTQIA+. Seis dos 20 participantes iniciais se identificam como pessoas gays, lésbicas, travestis e bissexuais.
Linn Da Quebrada, Brunna Gonçalves, Maria, Vinicius Fernandes, Tiago Abravanel e Luciano Estevan, o primeiro a ser eliminado, chegaram sem medo de assumir quem são em rede nacional. A dançarina Brunna, por exemplo, ficou conhecida depois que se casou com a cantora Ludmilla. Tiago já chegou a rebater comentários homofóbicos da prima Patrícia Abravanel. E, logo na apresentação em grupo do reality, Linn reafirmou sua identidade de gênero com um discurso poético, dizendo “não sou homem, não sou mulher: sou travesti”.
A presença da cantora e atriz de 31 anos marca a segunda vez em que uma pessoa trans (no caso de Linn, uma travesti) participa do programa, após mais de uma década de Ariadna Arantes, que foi a primeira eliminada da 11ª edição. Na ocasião, a influenciadora digital foi vítima de uma campanha discriminatória entre o público e diversos meios de comunicação, e hoje celebra a participação de Linn, cuja representatividade tem sido bem aceita.
Mas, apesar de ter tatuado em sua testa o pronome “Ela”, Linn já vivenciou situações transfóbicas dentro da casa. Por diversas vezes, a artista precisou esclarecer a forma pela qual exige e deve ser tratada – o próprio Tadeu Schimdt, estreante na função de apresentador, precisou intervir logo na primeira semana do confinamento.
Outro destaque dessa edição é a participação de Natália Deodato, que abre espaço para informação e representatividade acerca do vitiligo. Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a doença autoimune não contagiosa, caracterizada pela perda de coloração da pele, afeta mais de 1 milhão de brasileiros.
Por serem vistas como “fora do padrão”, as pessoas com vitiligo enfrentam grande preconceito, e a presença da maquiadora no reality pode representar para elas superação e uma possibilidade de também terem sucesso. “Se amar não é uma tarefa fácil! Mas eu decidi me amar em cada detalhe, e por estar ‘fora do padrão’ tenho que me amar ainda mais”, compartilhou a participante em suas redes sociais, em 2020.
A diversidade no elenco do BBB vem sendo assunto desde a edição 21, que – até então – havia sido a edição com maior número de participantes negros da história. Sem dúvida, a determinação feita pela CBS (emissora americana dona do formato), no final de 2020, de que as novas temporadas de seus reality shows devem ter ao menos 50% dos participantes negros, indígenas ou mestiços impactou a escolha dos participantes das últimas edições.
Mas sem essas determinações, como ficam os “castings” da vida real?
Os desafios da representatividade no meio corporativo
O relatório “Diversity Matters: América Latina”, realizado em 2020 pela McKinsey, revela que empresas que investem em diversidade e inclusão têm 59% mais chances de obter resultados melhores que a concorrência.
Isso porque um ambiente de trabalho colaborativo, em que as pessoas se sentem livres para se expressar, é bem mais produtivo e propenso a soluções criativas e inovadoras. As pessoas ficam mais engajadas e com propósito mais claro..
No entanto, o universo corporativo ainda está longe de acompanhar o cenário de pluralidade social do País que – quem diria -, tem sido cada vez mais representado na mídia. O estudo “Diversidade, Representatividade & Percepção”, realizado pela consultoria Gestão Kairós, empresa especializada em Sustentabilidade e Diversidade, revela que apesar de negros e mulheres serem maioria no Brasil, continuam sendo minoria nas empresas.
Mais de 26 mil pessoas foram entrevistadas, entre 2019 e 2021, e entre líderes, liderados, aprendizes e estagiários de várias companhias, foi constatado que homens são 68% dos funcionários, 64% são brancos, 94,6% são heterossexuais, 99,6% são cisgênero e 97,3% não possuem deficiência.
A única forma de garantir mudanças é apostar em ações afirmativas, visando a contratação e a retenção de talentos diversos nas empresas. Nós já falamos sobre isso em um artigo publicado em nosso blog.
Atualmente, com a crescente do ESG, isso pode ser crucial para a longevidade dos negócios do ponto de vista do mercado consumidor e de investimentos. Um alerta recente foi a determinação da Nasdaq, exigindo mais mulheres e minorias, como LGBTQIA+ ou negros, nos conselhos de administração das companhias listadas, além de exigir que as companhias divulguem publicamente relatórios com dados estatísticos sobre a diversidade em seus conselhos, em sintonia com as recomendações de Larry Fink em sua carta anual pela BlackRock – a maior gestora de ativos do mundo está disposta a barrar investimentos para empresas que não se comprometerem com a geração de impacto positivo na sociedade.
Vale lembrar que, aqui no Brasil, o IBGC, o IFC e a B3 também lançaram uma carta aberta falando sobre diversidade nos conselhos. A pressão para ver um equilíbrio e maior representatividade de mulheres, negros, LGBTQIA+, pessoas com deficiência e outras diversidades tende a aumentar daqui pra frente.
Afinal de contas, representatividade importa sim, seja no entretenimento, seja nos negócios.